"Verdade e Política", Hannah Arendt

Introdução 

   
Hannah Arendt foi uma das mais influentes filósofas políticas alemães, de origem judaica, do século XX. Nasceu na Alemanha a 14 de outubro de 1906 e morreu em Nova Iorque a 4 de dezembro de 1975.
   Trabalhou como jornalista e professora universitária, publicando também alguns livros sobre filosofia política como é o caso da obra em estudo, publicada no final da década de 60.




Hierarquização de conceitos/publicidades


1º- Sobrevivência                                   2º- Verdade                                                                                                      



                      


3º- Religião                                                        4º- Estado     
                                                       
                                                                           














5º- Política





6º- Economia



   





    







    Com base nestas publicidades e respetivos conceitos, decidi organizá-los pelo seu grau de importância, tendo como referência a minha opinião. 
     Coloquei em primeiro lugar a sobrevivência visto que, apesar de por vezes não ser garantida pelos meios mais corretos (usando em certos casos a mentira), somos seres humanos e faremos de tudo para garantir o nosso bem estar e sobrevivência. Desta forma, coloquei em segundo lugar a verdade, apesar de acreditar que esta é que deveria guiar a nossa vida e existência. Porém, isto não é possível de garantir visto que somos sujeitos, no mundo em que vivemos, a optar pela mentira em detrimento da verdade de forma a sobreviver, concluindo assim que o grande problema do Homem não é o facto de este mentir, mas sim o facto de este ser sujeito a tais comportamentos. Se o conceito de mentira não existisse, tudo seria regido pela verdade (logo, colocaria a verdade em primeiro lugar nesta hierarquização), mas se tal existe, por alguma razão o é, ou seja, surgiu devido a algum incidente que obrigou o Homem a tomar tais medidas. 
     De seguida, optei por colocar a religião em terceiro lugar devido ao grande impacto que teve e continua a ter na sociedade e em todo o Mundo. Esta originou as piores guerras e as mais belas formas da cultura, estando assim, sempre presente ao longo das séculos. É um dos temas mais controversos da sociedade, movendo as pessoas à realização das coisas mais belas mas também mais perigosas do Mundo. Desde sempre moveu multidões e para sempre estará no centro das mais entusiásticas discussões!
     Na continuação desta linha de raciocínio, coloquei o Estado em quarto lugar na medida em que este é o centro de todo o poder, aquele que garante as boas condições de vida dos cidadãos e que deveria funcionar unicamente para este fim. Desta forma, inteiramente ligado ao Estado, surge a política em quinto lugar e a economia em sexto lugar. A minha escolha de estes conceitos virem a seguir ao Estado, deve-se ao facto de serem domínios integrantes do mesmo, sendo ou devendo ser controlados e sujeitos à decisões deste centro de poder.
     Fica assim dada a minha opinião sobre esta hierarquização de conceitos, tendo por base as vivências e experiências do meu quotidiano. 



A inoperância da verdade ou a natureza da política


    De forma a integrar esta questão tão importante no meu projeto, decidi colocá-la como tema destes cinco capítulos. Para obter uma resposta concreta, baseada na minha opinião e nos factos apresentados na obra Verdade e Política,dividi estes capítulos em tópicos que irão abordar os conceitos essenciais e que irão lentamente responder a esta pergunta. Devido à controversa sentida com esta questão, irei ter como enquadramento os Aforismos, Platão, Hobbes, Espinosa, Kant e Heródoto.



Capítulo I 


Mentira vs. Erro e Ilusão

    Todos temos consciência que a mentira é algo presente em cada um de nós e na sociedade que nos rodeia porém, será que sabemos o porquê da sua existência? Esta obra inicia com a clara explicação de que as mentiras "foram sempre consideradas como instrumentos necessários e legítimos, não apenas na profissão de político ou de demagogo, mas também na de homem de estado." Dessa forma, poderemos afirmar que a mentira é muitas vezes justificada? "Será da própria essência da verdade ser impotente e da própria essência do poder enganar?". E se assim é, qual será a necessidade da verdade existir, se se opta pela mentira em detrimento da verdade? Qual será a necessidade de existir verdade se não tem poder no domínio político?

    No século XVI, o autor Fernando I, sucessor de Carlos V, defendera que a justiça deverá sempre prevalecer mesmo que a sobrevivência do mundo esteja em causa, afirmando: "Faça-se justiça, ainda que o mundo acabe." Com base neste autor, o filósofo Emmanuel Kant dissera que "A justiça deve prevalecer, mesmo que daí resulte o desaparecimento de toda a canalha do mundo!", ou seja, que a justiça deverá sempre ser feita ou a verdade deverá sempre ser dita, mesmo que coloque em causa a sobrevivência do mundo. É neste sentido que surge o conflito existencial entre a sobrevivência e a verdade! De acordo com a palavra de Espinosa, "que não existe lei mais alta que a sua própria segurança", a sobrevivência é escolhida em detrimento da verdade, fazendo por vezes a mentira como algo necessário e justificável.

    É também apresentado que a ação política é composta "em termos de meios e de fins" e de forma a evitar a utilização de meios mais violentos para garantir os fins pretendidos, Hannah Arendt defende que as mentiras, "precisamente porque são muitas vezes utilizadas como substitutos de meios mais violentos, podem facilmente ser considerados como instrumentos inofensivos do arsenal da ação política". Eu não concordo de todo com esta afirmação. Por exemplo, será que o povo quer ter como seu representante no Estado um homem que, para chegar ao poder, teve que mentir aos eleitores, dizendo apenas o que eles querem ouvir? Será justo o próprio povo ter de ouvir mentiras atrás de mentiras e permanecer inconsciente à situação em que o seu país está, unicamente porque é dito que é "o melhor para eles"? É neste contexto que nasce o tão antigo conflito entre verdade e política. De acordo com Hobbes, se o "lazer" é a "mãe da filosofia" e se a "República é a mãe da paz e do lazer", não será que a República age em função da filosofia (com base no lazer) quando substitui uma verdade por uma mentira deliberada que poderá garantir a paz? "Hobbes nunca notou que toda a procura de verdade se destruiria ela própria se as suas condições só podem ser garantidas através de mentiras deliberadas.

    Paralelamente, considero necessário fazer a distinção entre mentira e erro ou ilusão, como conceitos completamente diferentes. Enquanto que a mentira é um ato consciente do indivíduo, o erro é precisamente o inverso, é um ato consciente porém inconsciente visto que desconhece a verdade: "O sofista e o ignorante ocupam mais o pensamento de Platão que o mentiroso, e quando ele distingue entre o erro e a mentira - quer dizer, entre o involuntário e voluntário (...)". Por outro lado, a ilusão prende-se com a formação de ideias que gostaríamos que fossem verdadeiras tendo por base a realidade do próprio sujeito: "Daí resultou que o contrário da verdade foi a simples opinião, apresentada como equivalente da ilusão, e é esta degradação da opinião que dá ao conflito a sua acuidade política (...)" (Irei mais à frente aprofundar este conceito de opinião na vertente política).
    De acordo com afirmação de Hannah Arendt e com esta publicidade, poderemos considerar a mentira como algo necessário e justificável à sobrevivência humana?


   

    Apresento aqui uma marca de uma cadeia de fast-food que todos conhecemos, mas teremos a consciência que a cada publicidade lançada por esta marca estamos a ser enganados?
    Compreendo a necessidade de demonstrar o produto de uma forma mais apelativa e interessante, mas será justo para o consumidor deparar-se com esta enorme diferença no produto apresentado nos anúncios com o que é realmente consumido? Não poderemos considerar isto como um abuso aos direitos do consumidor? A publicidade é apenas uma maneira de apresentar o produto ao consumidor de forma a captar o seu interesse de compra! Se estiver a divulgar informações falsas, estará a apresentar o produto em venda ou o que querem que o produto seja? Não estaremos perante uma mentira deliberada? E nesta situação, poderemos afirmar que está a velar pela sobrevivência de alguém? Claro que não! Este anúncio está apenas a velar a existência de um determinado produto e o lucro que fazem com o mesmo, logo não poderemos considera-lo como necessário! Apenas "uma verdade que não se opõe a nenhum interesse ou prazer humano recebe bom acolhimento de todos os homens".


Verdade Racional & Verdade de Facto

    Esta obra faz uma clara distinção entre Verdade Racional e Verdade de Facto, definindo-as como conceitos diferentes porém interligados. A explicação destes conceitos provém do desejo da autora de mostrar o que o poder político é capaz de causar à verdade. "A época moderna, que acredita que a verdade não é nem dada, nem revelada ao espírito humano, mas produzida por ele tem, desde Leibniz, reconduzido as verdades matemáticas, científicas e filosóficas ao género comum da verdade da razão, diferente da verdade de facto."


    A Verdade Racional, tal como o nome indica, provém de um raciocínio; é uma verdade de tipo matemático, que será dessa forma incontestável . Por outro lado, a Verdade de Facto provém de uma 'suposta' verdade absoluta e de factos sucedidos e concretos, sendo inegável; é uma verdade política por natureza : "verdades tão modestas como o papel, durante a revolução russa, de um homem de nome Trotsky que não surge em nenhum dos livros da história da revolução soviética (...) ocorrem no campo perpetuamente modificável dos assuntos humanos, no seu fluxo em que nada é mais permanente que a permanência, relativa, como se sabe, da estrutura do espírito humano." A grande problemática subjacente a esta verdade, é o facto de estar em "constante perigo de ser colocada fora do mundo, através de manobras, não apenas por algum tempo, mas, virtualmente, para sempre." Os factos e acontecimentos são aspetos muito frágeis visto que estão em constante mudança no mundo, estando sujeitos a serem corrompidos e falsificados.
 

    


O Conflito entre verdade e política  

    Com base no que referi anteriormente, podemos concluir que o grande conflito entre verdade e política baseia-se na questão da sobrevivência. "O que está em causa é a sobrevivência, a perseverança na existência (in suo esse perseverare), e nenhum humano destinado a durar mais tempo que a breve vida dos mortais nele, poderá alguma vez sobreviver sem homens que queiram fazer o que Heródoto foi o primeiro a empreender conscientemente - a saber, dizer o que é. Nenhuma permanência, nenhuma persistência no ser podem sequer ser imaginadas sem homens querendo testemunhar aquilo que é e lhes parece ser porque é". De forma a garantir a sobrevivência, o Homem é capaz de tudo, mesmo dizer algo com que não concorde ou que seja mentira.

    Porém, considero que aqui o grande problema não é o facto de o Homem ter de garantir a sua sobrevivência por vezes através da mentira, mas o facto de o Homem ser sujeito à mentira. O problema em causa não é o Homem mentir, mas o mundo que o obriga a mentir! Por exemplo, se a nossa sociedade não fosse superficial (o que é), não haveria a necessidade de criar publicidades tão atrativas à vista, porém enganosas sobre o produto em si. Do que vale apresentar algo tão bonito e arranjado nas publicidades, se a seguir à primeira compra desse mesmo produto tudo é mentira e falsificado?    

    Recentemente vi um excerto de uma série televisiva que me marcou muito e que é bastante pertinente neste tópico em estudo, visto que explica a necessidade de muitos governados omitirem a verdade ou até mesmo mentirem aos cidadãos de forma a garantirem a sua sobrevivência, ou seja, de forma a assegurarem a sua posição no governo:




                                                                       
                                                    

    Neste discurso, este governador admite o facto de muitas vezes os políticos mentirem tendo em vista os seus próprios objetivos, ou seja, a sua própria sobrevivência, em detrimento do interesse coletivo. 
"Nós dizemos que os servimos, quando na verdade servimos a nós mesmos. E porquê? Porque somos levamos pelo nosso desejo de reeleição." Desta forma, este político revela todos os problemas que estavam a ser omitidos em vez de os esconder para garantir o seu próprio bem estar.
    Para comprovar o que referi no parágrafo anterior, nos últimos segundos do discurso do governador, este afirma que aqueles que estariam a candidatar para determinado papel e estatuto no governo, nunca ousariam em admitir e revelar todos os problemas do país, bem pelo contrário, seriam cuidadosos e não tocariam em problemáticas que afetam realmente o país em que vivem.                         


A Alegoria da Caverna
, Platão


No interior da caverna permanecem seres humanos, que nasceram e cresceram ali. Ficam de costas para a entrada, acorrentados, sem poder mover-se, forçados a olhar somente a parede do fundo da caverna, sem se poder ver uns aos outros ou a si próprios. Atrás dos prisioneiros há uma fogueira, separada deles por uma parede baixa, por detrás da qual passam pessoas carregando objetos que representam "homens e outras coisas viventes". As pessoas caminham por detrás da parede de modo que os seus corpos não projetam sombras, mas sim os objetos que carregam. Os prisioneiros não podem ver o que se passa atrás deles, e veêm apenas as sombras que são projetadas na parede em frente a eles. Pelas paredes da caverna também ecoam os sons que vêm de fora, de modo que os prisioneiros, associando-os, com certa razão, às sombras, pensam ser eles as falas das mesmas. Desse modo, os prisioneiros julgam que essas sombras sejam a realidade.
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Alegoria_da_Caverna
    
    A grande crítica que Platão faz e remete para a atualidade, é o facto de os Homens tomarem como sua realidade as únicas coisas que vêem, deixando-se cair na falsidade e na ilusão; e quando alguém tenta mostrar a verdade das coisas e dos acontecimentos, este poderá vir a ser julgado ou mesmo morto. "Se lhe fosse possível pôr a mão num tal homem... matá-lo-iam."
    De que forma isto afeta as publicidades? Estas têm uma grande influencia na divulgação das novidades existentes na sociedade; sejam estas novidades relacionadas com produtos, lugares, problemáticas, entre outras. Não existirão então publicidades que poderão ser contestadas e criticadas por muitos?



    A homossexualidade para muitos ainda é um tema a evitar, principalmente por parte das faixas etárias mais antigas. Desta forma, e tendo por referência esta publicidade, como é que algumas pessoas reagiriam ao vê-la? Estando sempre tão habituados à comum relação entre homens e mulheres, como ficaram estando presente uma publicidade que mostra outro tipo de relação existente na nossa sociedade? Acredito que muitos se revoltariam e, presos ao seu próprio mundo de falsidade e ilusão, para além de negarem a existência deste tipo de relações, julgariam e criticariam todos aqueles que dissessem o inverso!


Capítulo II e III


Platão e Hobbes e o risco de dizer a verdade

    Alguma vez questionaríamos que a verdade poderia conter algum risco, ou seja, que poderíamos correr graves perigos ao dizer apenas a pura verdade? "(...) A mentira organizada, tal como hoje a conhecemos, pudesse ser uma arma apropriada contra a verdade."
    Vamos então seguir a linha de pensamento de Platão e Hobbes: de acordo com estes filósofos, aquele que diz a verdade será sempre prejudicado em detrimento daquele que mente e engana, e que age conforme os seus interesses e próprio bem estar. "Em Platão aquele que diz a verdade põe a sua vida em perigo, e em Hobbes onde ele se tornou autor, é ameaçado de ver os seus livros lançados à fogueira; a mentira pura e simples não é um problema." Porque razão isto será assim?

   De tal modo, olharemos com atenção para esta publicidade:



    Esta marca utilizou Julia Roberts, uma prestigiada e reconhecida atriz, como modelo deste produto. A primeira questão que coloco é: será que esta figura pública realmente usa esta marca de maquilhagem? Ou será que os produtores desta publicidade ao saberem da sua importância e influência na mundo artístico, utilizam-na como uma forma de garantir mais consumidores?
    Porém, o problema não termina aqui...
    A grande problemática que me levou a apresentar esta publicidade, é a forma como esta actriz é definida na imagem. Transmite a ideia que o produto apresentado é, de facto, precioso, tendo a capacidade de tapar todas as falhas do rosto, criando uma pele imaculada e até perfeita! 
    De forma a verificar a sua veracidade, recorri a uma pesquisa mais intensiva desta publicidade, encontrando uma imagem que compara a actriz maquilhada na publicidade com a actriz maquilhada no quotidiano:





    A sua beleza, na minha opinião, continua apresentada porém de uma forma mais simples, realista e credível, revelando que apesar de todo o seu sucesso e prestígio, continua a ser uma mulher com todas as suas "falhas e defeitos", não havendo a necessidade de apresenta-la de forma tão retocada e exageradamente imaculada. E tudo isto para mostrar aos consumidores como o produto consegue "fazer milagres", mesmo que não seja o produto que esteja apresentado mas sim as capacidades do uso do photoshop! 
    Desta forma, os produtores de facto recorreram à manipulação dos factos, ou seja, à formação de mentiras deliberadas de forma a captar mais intensivamente a atenção do consumidor. Poderemos assim concluir que, se os criadores desta publicidade utilizassem a pura verdade em detrimento da mentira deliberada, iriam por "a sua vida em perigo" e seria "ameaçado de ver os seus livros lançados à fogueira", ou seja, teria uma diminuição da atenção dos consumidores e a posterior redução de vendas do produto. De igual modo, "a mentira pura e simples não é um problema".


Substituição do conflito entre verdade racional e política, pelo de verdade de facto e política

    Inicialmente, a autora propõem a exclusão total das verdades racionais na política visto que estas são usadas através do seu contrário: "o erro e a ignorância, nas ciências, ou a ilusão e a opinião, em filosofia".  Tudo isto apresenta-se como uma arma à verdade que, infelizmente é muito utilizada. 
    É desta forma que se substitui o conflito entre verdade racional e política, pelo de verdade de facto e política. O grande conflito existencial não é apenas a desconsideração da mentira (contrário da verdade de facto), mas sim pela consideração da opinião e da ilusão. De acordo com James Madison, "Todos os governos se baseiam na opinião", fazendo que o contrário da verdade não fosse a mentira, mas a simples opinião como equivalente da ilusão: "Porque a opinião e a não verdade, é uma das bases indispensáveis de todo o poder". 





A Opinião Pública (1967) Arnaldo Jabor



   
Através de uma procura incessante de opiniões políticas encontrei uma campanha publicitária sobre a juventude de 1967. Tal como o nome do vídeo indica, isto é de facto uma opinião pública visto que começa logo por afirmar que "normalmente se junta juventude moderna com revolta". Porém, a grande opinião expressa nesta campanha, é o facto de os jovens da classe média não serem assim; estes apenas "vêem o futuro como um lugar dos adultos", não procurando interferir nem alterar qualquer das estruturas que estejam definidas pela sociedade.
    De forma a concluir esta reflexão, não estará aqui presente o grande conflito referido anteriormente? Não estará a verdade racional a ser substituída e usada através do seu contrário?



A Redução das verdades de facto a opiniões
Os factos e as interpretações
A necessidade da ciência histórica


    Os factos e as opiniões são domínios da vida política que apesar de terem significados muito diferentes, apresentam uma certa cumplicidade entre si. Sendo a verdade de facto algo que supostamente é absoluto e inegável, o que é a opinião e de que maneira entra em conflito com esta mesma verdade?
    Este conflito existencial foi estudado por Platão (especialmente no Górgias) em que afirma a existência de um "antagonismo entre a comunicação sobre forma de 'diálogo', discurso apropriado à verdade filosófica, e a comunicação sobre a forma de 'retórica'. através da qual o demagogo, como o diríamos hoje, persuade a multidão". Ou seja, é comum o Homem utilizar as suas opiniões como uma forma de comunicar com o outro e como uma maneira de persuadi-lo, seja em que dimensão da vida pública, surgindo assim a problemática da substituição de verdades de factos por opiniões que, muitas vezes proferidas passam a ser consideradas como verdades de facto.
     De acordo com a filosofia pré-moderna, "o magnífico 'Que cada um diga o que lhe parece a verdade, e que a autêntica verdade seja recomendada a Deus' de Leissing teria muito simplesmente querido dizer; o homem não é capaz de verdade, todas as verdades, são simples piniões, enquanto que para Lessing isso significava pelo contrário: Devemos dar graças a Deus por não conhecermos a verdade". Esta citação revela o poder que a verdade tem, sendo algo impossível de alcançar pelo Homem, orientando assim o seu discurso com base em opiniões e deixando a Verdade para algo superior e poderoso que se afirma como Deus.
    Com base em Espinosa, "todo o homem é, por direito natural e imprescritível, o senhor dos seus pensamentos; que cada qual segue o seu próprio parecer e que a diferença entre as cabeças é tão grande como entre os palácios; que as leis que proíbem o livre pensamento apenas podem ter como resultado que os homens pensem uma coisa e digam outra", ou seja, a liberdade de palavra não deveria ser tão criticada visto que permite ao Homem dizer aquilo que pensa. Sendo este um ser racional, é normal a existência dos mais diversos pensamentos, mesmo que sejam contraditórios e diferentes de indivíduo para indivíduo. 
    Desta forma, a mera opinião tem o poder de se tornar uma verdade de facto quando tem algo que a divulgue e a "instala como massificada" como a comunicação social faz. Esta "implica uma passagem do homem no singular aos homens no plural" visto que consegue tornar uma opinião em verdade de facto. Quanto mais vezes os indivíduos ouvirem e verem essa opinião, mais rapidamente irão considerá-la como uma verdade absoluta.
    Paralelamente, os factos e as opiniões apresentam uma grande cumplicidade visto que as opiniões vivem dos factos e os factos são o sustento e a base de qualquer formulação de opiniões. Para tal, está provada a "impossibilidade de constatar factos sem os interpretar, na medida em que têm de começar por ser extraídos de um caos de puros acontecimentos (e os princípios de escolha não são certamente dados de facto), serem em seguida organizados numa história que não pode ser contada a não ser numa certa perspetiva, que nada tem a ver com o que aconteceu originalmente?", ou seja, a interpretação dos factos terá sempre como auxílio as opiniões.




    De acordo com o que referi em parágrafos anteriores, a comunicação social apresenta-se como o principal agente da massificação das opiniões, fazendo com que estas sejam consideradas verdades de facto aos olhos de muitos. Neste anúncio do Partido Socialista podemos observar uma opinião muito clara que é a apresentada: a emigração como uma oportunidade. Será isto uma verdade de facto? Não! Esta é uma opinião dada pelo governo e transmitida ao jovens que são obrigados a emigrar à procura de melhores condições de trabalho e de vida. Esta opinião poderá levar a que muitos a assumem como verdade quando na realidade é uma simples opinião que, através de publicidades e campanhas eleitorais, a massificaram tornando como uma verdade de facto.
    Paralelamente, podemos observar que esta publicidade é interpretada tendo sempre como referência uma opinião. Admitimos como facto a existência de um número cada vez maior de jovens emigrantes, porém interpretamos esta publicidade tendo por base uma opinião: esta emigração não é considerada como uma oportunidade como afirma o governo, mas sim como uma forma de procurar melhores condições de vida e de trabalho.

    É neste sentido que surge a necessidade das ciências históricas, como algo real e que não pode de todo mudar a sua matéria factual, ou pelo menos não deveria ser alterada. As ciências históricas, como tudo o resto, está sempre sujeito à interpretação através das opiniões correndo o risco de se alterar a sua matéria factual. 
"Mesmo se admitirmos que cada geração tem o direito de escrever a sua própria história, recusamo-nos a admitir que cada geração tenha o direito de recompor os factos de harmonia com a sua própria perspectiva; não admitimos o direito de se atentar contra a própria matéria factual".



Opinião Vs. Difamação   

    Há que ter em atenção a diferença entre opinião e difamação sendo conceitos completamente diferentes que, por vezes, são confundidos. A opinião tem por base uma perspetiva, algo que consideramos ser de acordo com o nosso horizonte hermenêutico. Se eu disser que determinado alimento é agradável, estou a dar a minha opinião tendo por base as minhas vivências e experiências. Porém, a difamação não parte unicamente de uma perspetiva, parte da vontade de destruir ou falar mal de algo ou de alguém. 



    Infelizmente, os meios de comunicação nem sempre demonstram factos ou opiniões, grande parte das vezes usam a difamação como forma de chegar ao público. Algumas campanhas políticas são o exemplo vivo disso, tal como as publicidades! 


    Antigo primeiro ministro do governo de Portugal e antigo presidente da câmara municipal de Lisboa, o político Pedro Santana Lopes afirma-se como melhor candidato a escolher com o lema/slogan "Este sim, sabe quem é!", transmitindo ao povo que já não é um mero desconhecido e que, para tal, podem confiar e acreditar na sua palavra. Tudo isto parece-me muito bem, mas será que este slogan apenas diz isso? Quando li pela primeira vez este slogan, interpretei-o como uma forma de difamação dos outros candidatos ao mencionar com um tom um pouco irónico que era o único em que se podia confiar, negando a veracidade dos outros candidatos. Isto deveria ser assim? Claro que não! As campanhas políticas deviam ser feitas tendo unicamente por base os próprios candidato e nunca difamando, mesmo de forma indeterminada, os outros concorrentes!


Capítulo IV



Manipulação do facto e da opinião
A mentira deliberada

    Este capítulo inicia-se com uma breve explicação sobre o contrário da verdade de facto: "A marca distintiva da verdade de facto está em que o seu contrário não é nem o erro nem a ilusão, nem a opinião, nenhuma delas tendo a ver com a boa fé pessoal, mas a falsidade deliberada ou a mentira", ou seja, o inverso desta verdade é mesmo a mentira deliberada que muitas vezes surge como uma mera opinião sobre determinado facto. "Acontece o mesmo quando um mentiroso, não dispondo do poder necessário para impor as suas mentiras, não insiste no caráter evangélico da sua afirmação, mas pretende que se trate da sua «opinião» para a qual invoca o seu direito institucional." De que direito estará a autora a invocar?
    O Homem, com todos os seus direitos e deveres enquanto cidadão, tem a tendência de se aproveitar da sua liberdade de palavra e da sua consequente liberdade de opinião para transformar os seus discursos ou diálogos numa mentira. Esta será chamada de uma mentira deliberada visto que apesar de o Homem ter o conhecimento verdadeiro de determinado facto, opta por mentir dizendo que é uma mera opinião baseada num facto, não podendo assim ser julgado pela sua liberdade de palavra. Esta situação é a mais grave visto que o Homem opta por pegar numa versão dos acontecimentos e alterá-los conforme bem entende. Assim sendo, de forma a defender aquilo que quer, o Homem não usa apenas as verdades de facto na sua vida, mas completa-as com as suas opiniões que muitas vezes são baseadas em mentiras deliberadas. "Se aquele que diz a verdade de facto quer desempenhar um papel político, e por isso ser persuasivo, irá, quase sempre, proceder a consideráveis desvios para explicar porque é que a sua verdade serve melhor os interesses de qualquer grupo", desvios estes que são as opiniões ou as mentiras deliberadas.




         
   Ouvindo este discurso de Dilma na sua campanha eleitoral poderemos afirmar que se baseou unicamente em verdades de facto? Estarão presentes algum tipo de opiniões ou mentiras deliberadas?
    Dilma começa por afirmar a redução de juros e de impostos a todos os cidadãos brasileiros, juntamente com maiores investimentos na educação, saúde e infraestruturas, porém estará isso tão próximo de acontecer? Esta dá a sua opinião clara quando refere que o Brasil está "se aproximando do dia em que a miséria será superada". Estará esse dia assim tão próximo? A miséria faz se sentir a cada instante nas ruas e nas favelas do Brasil destruídas pela fome, doenças e criminalidade. Como poderá esta afirmar que a miséria está perto de ser resolvida se a maioria do povo brasileiro continua a viver uma vida precária e com falta dos bens essenciais a melhores condições de vida? Dilma formulou todo o seu discurso com a intenção de angariar mais votos no ato eleitoral, mesmo que para isso tenha que transmitir factos que não são verdadeiros, ou seja, mesmo que tenha de recorrer à sua opinião tornada numa mentira deliberada.
    Isto não acontece unicamente no Brasil, acontece em todo o mundo! São a estas mentiras a que nós estamos sujeitos enquanto cidadãos...

    Depois desta breve explicação da passagem da opinião para a mentira deliberada, passarei a explicar a distinção entre mentira deliberada e verdade de facto.
    A definição de verdade de facto tem sido constantemente explicada ao longo do meu trabalho, mas qual será o significado de mentira deliberada? A mentira deliberada ou mentira organizada "é um fenómeno marginal" que é formulada tendo consciência que está a levar o outro ao engano. É exatamente isto que está presente no discurso de Dilma! Esta tem consciência do grande problema que afeta o Brasil porém, faz questão de formular ideias e argumentos que afirmem que o Brasil está a caminhar para a mudança, quando sabemos que essa mudança está muito longe de chegar independentemente das medidas que se possam tomar. 
    Para concluir, passo a citar um excerto desta obra que faz uma breve explicação do que estive a referir: "Como o mentiroso é livre de acomodar os seus «factos» ao benefício e ao prazer, ou mesmo às simples esperanças do seu público, pode apostar-se que será mais convincente do que aquele que diz a verdade".


Mentira Tradicional Vs. Mentira Moderna

    No final deste capítulo é apresentado uma clara distinção entre estes dois tipos de mentira: a mentira tradicional e a mentira moderna que remetem para a ocultação e para a destruição, respetivamente.
    A mentira tradicional está diretamente direcionada para um pequeno grupo de pessoas (apenas particulares), nunca pretendendo enganar toda a gente; "dirigia-se ao inimigo e só a ele queria enganar". Desta forma, não há a falsificação de toda a história ou contexto, mas "faz por assim dizer um buraco no tecido dos factos", ocultando certos aspectos. Aqueles que estavam envolvidos na atividade de engano "não estavam dispostos a tornar-se vítimas das suas próprias falsificações", podendo enganar os outros mas nunca a si próprios. 
    Esta velha arte de mentir (enganar os outros e não a si próprio) encontra-se ausente na atualidade visto que agora o engano de si próprio se tornou um instrumento indispensável para tornar mais credível a mentira que diz. "Que melhor desculpa moral poderia oferecer um mentiroso do que afirmar que a sua aversão pela mentira era tão grande que teve de se convencer ele próprio antes de poder mentir aos outros, que, como António na Tempestade, teve de fazer «da sua própria memória uma pecadora para acreditar na sua própria mentira» ?"
    A mentira moderna, contrariamente à mentira tradicional, visa enganar o maior número de pessoas possíveis, modificando na totalidade todo o aspeto factual da realidade e criando um substituto para uma nova realidade e factualidade.

A imagem

    A imagem, por poder ser sempre explicada e tornada plausível, apresenta-se como um poderoso meio de afirmação das verdades de facto. Desta forma, de acordo com Montaigne, "Se, como acontece com a verdade, a mentira tivesse apenas um rosto, estaríamos em melhor situação. Mas o reverso da verdade tem cem mil figuras e um campo indefinido", ou seja, se fosse tão fácil identificar a verdade como identificamos a mentira, não haveriam problemas.
    Por vezes, aqueles que fabricam as imagens pensam que podem modificar ou apagar os factos mentindo sobre estes: "Não é o passado - e toda a verdade de facto, como é evidente, diz respeito ao passado - mas o futuro que está aberto à acção." 
    Relacionando com o tema do meu projeto que é a comunicação, as imagens apresentam um enorme poder na divulgação dos mais diversos assuntos, sejam estes verdade ou cobertos pela mentira. "Diferentemente das mentiras que se dirigiam a um adversário estrangeiro, as imagens fabricadas para consumo doméstico, podem tornar-se uma realidade para todos, e antes de mais para os próprios fabricantes de imagens que, enquanto estão ainda a preparar os seus «produtos» ficam esmagado só ao pensarem no número das suas possíveis vítimas. Não há dúvida que aqueles que estão na origem da imagem mentirosa «inspirada» pelos persuasores ocultos, sabem ainda que querem enganar o inimigo à escala social ou nacional, mas o resultado é que todo um grupo de pessoas, mesmo de nações inteiras, pode orientar-se de acordo com um encadeamento de enganos aos quais os dirigentes desejavam submeter os opositores". As imagens têm então o poder de mover multidões, de mudar e formatar opiniões que podem levar toda a sociedade a acreditar nos maiores enganos possíveis; servem como uma forma de manter e proteger ideologias.

    Tendo as imagens o poder de tornarem-se realidade, tal como a autora o diz, o que representará esta publicidade e o que torna como realidade?


    "Sopra para a cara dela e ela irá segui-lo para qualquer lugar."   

    Com base nesta publicidade podemos observar como as imagens influenciam a sociedade! Levam-a a acreditar que as mulheres não merecem ter os mesmos direitos que os homens; criam uma realidade em que as mulheres são inferiores aos homens, vivendo numa sociedade machista, em que apenas existem para satisfazer as necessidades dos outros. Felizmente, na atualidade já não se sente este lado extremista do machismo, porém nos séculos anteriores a imagem da mulher apresentava-se bastante deteriorada.
    Estes enganos feitos através das imagens apresentam um grande poder na sociedade, tendo a capacidade de formatar e de expandir valores e comportamentos. 
    Deixo aqui alguns exemplos de imagens (em formato de publicidades) que visam enganar à escala social e nacional. tornando como verdades de facto aquilo que transmitem:




"O Mini Automático. Para simples conduções."

Não estará a promover o machismo?







"Porque é que a tua mãe não te lava com o sabonete Fairy?"

Não estará a promover o racismo? 






Capítulo V


Resposta à questão inicial

    Tendo por base todos os tópicos abordados dentro dos vários capítulos, termino assim a minha reflexão e resposta sobre a questão da inoperância da verdade e a natureza da política lançada no início do projeto.
    Apesar de todos os problemas subjacentes à verdade, esta nunca poderá desaparecer, conseguirá sempre se preservar. "A persuasão e a violência podem destruir a verdade, mas não podem substituí-la". 
    A triste realidade que é impossível de negar, é o facto de a verdade nem sempre ser a melhor solução. Para garantir a sobrevivência, por vezes é necessário recorrer à mentira, sendo impossível de definir quais são as caraterísticas e particularidades da verdade. Por outro lado, qual será a natureza da política? Penso que a própria natureza da política é a mentira, o engano e a opinião, enquanto que deveria ser exatamente o contrário: a pura e simples verdade.
    Estes dois conceitos encontram-se em bastante más relações e continuarão sempre assim até que as estruturas da sociedade registarem uma drástica mudança! Querem garantir a existência da verdade na natureza política? Mudem o mundo de forma a que o Homem não seja sujeito a mentir para garantir a sua sobrevivência ou para alcançar os seus objetivos!



1 comentário:

  1. O teu trabalho evidencia um grande esforço de reflexão e de tratamento das grandes questões que esta obra levanta.
    A questão da mentira é tanto mais complexa que ela só se torna mentira quando comparada com a versão correta dos acontecimentos, o que leva necessariamente a que elaboremos sobre relatos que não são verdadeiros. O problema da mentira deliberada agrava ainda a questão porque, na verdade, pega-se numa versão dos acontecimentos e procura-se influenciar o que está para vir.

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