"Górgias", Platão

Introdução à obra

   A obra "Górgias" é um diálogo escrito por Platão depois da sua primeira viagem a Sicília em 387 a.C. Foi escrita quando Atenas vivia numa crise económica e política. ao perder a guerra contra Esparta e à substituição do regime democrático pela Tirania. Quando a democracia é restaurada apresenta bases pouco sólidas sendo os oradores e os democratas os principais culpados desta perda de poder.

   O principal tema deste diálogo é a Retórica: a sua função e como deve ser utilizada. Platão permite explicar os diferentes usos da linguagem, primeiramente como um instrumento de poder e de seguida como um instrumento da verdade defendidos por sofistas e filósofos, respectivamente.
   Esta obra é composta por cinco personagens: Polo, Querefonte, Cálicles, Górgias e Sócrates.


Tema 1: O domínio sobre os outros (452 d - 453 b)

1.4 A linguagem como um instrumento do poder 


   A linguagem é apresentada como um poderoso meio de influência quer na vida política, económica ou social.
   Na obra em estudo, é visível uma grande discussão sobre o verdadeiro uso da retórica. Como Górgias diz: "É que todas as outras artes se ocupam praticamente apenas de operações manuais e coisas do mesmo género, ao passo que a retórica não tem nada que ver com esses aspectos, pelo contrário, toda a sua acção e eficácia se realizam através da palavra. É por isso que eu digo que a retórica é a arte dos discursos e estou convencido de que digo bem."
  Quem possuir esta arte, tem total liberdade sobre si e domínio sobre os outros da cidade.




   Toda a sociedade recorre à retórica: quer as classes mais altas para exercer o poder, quer as classes mais baixas para ascender ao poder. "É a capacidade de persuadir pela palavra os juízes no Tribunal, os senadores no Conselho, o povo da Assembleia, enfim, os participantes de qualquer espécie de reunião política. Com este poder farás teus escravos o médico e o professor de ginástica, e até o grande financeiro chegará à conclusão de que arranjou o dinheiro não para ele, mas para ti, que sabes falar e que persuades a multidão." 

   De facto, a retórica é apresentada nesta obra em duas vertentes opostas: o lado pejorativo e paralelamente, o lado aprazível. 
   A retórica surge com os sofistas, um grupo de pensadores e viajantes que vendiam os seus ensinamentos e que ficaram conhecidos pelo seu poder de argumentação. Através de um  jogo de palavras e raciocínios, constituíam discursos (vazios de conteúdo) que tinham o poder de persuadir a multidão. Desde sempre foram criticados aos olhos de Platão e Sócrates como impostores que utilizavam o dom da palavra para manipular os ouvintes. "Eles transmitiam todo um jogo de palavras, raciocínios e concepções que seria utilizado na arte de convencer as pessoas, driblando as teses dos adversários."    
   Sócrates defendia que os ensinamentos dos sofistas corrompiam a sociedade, visto que ensinavam a retórica como um discurso vazio de conteúdo:" Na retórica o ouvinte é levado por uma enxurrada de palavras que, se adequadamente compostas, persuadem sem transmitir conhecimento algum."  
   
   Porém, é necessário não esquecer que esta "arte" devidamente utilizada, pode e é usada para o bem! Temos, como exemplo, os advogados nos tribunais que utilizam este meio como uma forma de punir os injustos pelos seus feitos.
   Este uso justo da retórica defendido por Sócrates, surpreendeu os sofistas que eram apresentados de forma muito negativa por Platão, como foi anteriormente referido. Considerava que o discurso ao ser devidamente formulado e seguindo princípios justos, poderia chegar corretamente ao povo. 

  
   Tal acontece com a publicidade. Quer através de textos ou imagens, este meio de comunicação tem o poder de mover multidões, influenciando-a da forma mais correta ou mesmo incorreta. A publicidade ao ser devidamente estruturada consegue chegar ao indivíduo e fazê-lo questionar, inconscientemente, sobre o que está representado. 
   É cada vez mais visível que as publicidades visam a divulgação de um produto/serviço não através das caraterísticas do mesmo, mas através do controlo de mentes com textos ou imagens manipuladoras que conhecem os pontos fracos da sociedade. 


Neste caso, os criadores deste slogan aproveitam as fragilidades das pessoas e incentivam-as a trair tendo por base algo que qualquer indivíduo concorda: que a vida é demasiado curta. Será aceitável utilizar esse argumento para trair a confiança de alguém e até causar danos em relações? Não só é absurdo criar um serviço assim, como é ridículo divulgá-lo!





   Porém, é necessário não esquecer que as publicidades apresentam um poderoso meio de divulgação de informação, podendo ser utilizadas como um meio de apelo a problemáticas da sociedade, como o caso da violência doméstica, as mortes ao volante por embriaguez e muito mais! Através da formulação de textos ou da apresentação de imagens chocantes, conseguem chegar aos indivíduos transmitindo os perigos da sociedade e fazendo um apelo à adoção de medidas que alterem as problemáticas em questão. 


















Tema 2: Reflexão sobre o caso de Arquelau (470 d)

   Neste momento da obra faz-se uma relação entre o justo/injusto e feliz/infeliz, utilizando como exemplo o caso de Arquelau, um filho de uma escrava que cometeu os maiores crimes, tornando-se "o mais desgraçado dos homens" porém considerava-se um homem feliz devido a toda a riqueza que alcançara com os assassinatos que cometera. 
   Sócrates defende a impossibilidade de um homem injusto ser feliz, da mesma maneira de um homem justo ser infeliz. Como poderá ser um homem feliz sabendo que pratica o mal? 
   Paralelamente, por oposição a Polo, Sócrates acredita que o homem injusto poderá ser feliz se for julgado e castigado. Se as suas ações forem devidamente castigadas, o homem conseguirá retirar o "peso que tem na consciência" e seguir um caminho lento que o leve à felicidade. Desta forma, o culpado nunca será feliz se escapar à ação da justiça.
  
  Na teoria, isto é fácil de explicar mas será que na prática isto realmente se sucede? Não serão aqueles que escapam à justiça, depois de cometer um crime, que serão os mais felizes visto que têm a oportunidade de seguir com a vida sem serem castigados? Será que, se assim for, não sentirão um peso no qual não se conseguem livrar? Serão assim tão indiferentes perante a justiça, que não compreendem que todas as ações são seguidas por consequências?

   Relacionando com o meu trabalho, aqui está um exemplo desta relação entre justiça e felicidade: 


   O que pretendem os realizadores desta publicidade transmitir ao público? 

   A associação desta figura mundialmente conhecida com o produto, cria sem ser necessário muitas explicações, uma relação entre as duas. Dá-nos a entender que esta figura confia no produto que está a ser vendido, visto que também a utiliza (como é apresentado na publicidade). Mas como não temos a certeza que este jogador de futebol realmente utiliza esta marca, como podemos reagir a esta publicidade? Será que os produtores foram justos ao associarem estas duas ideias mesmo que, na realidade, não sejam verdade? 

   Aqueles que gostam deste jogador ficam felizes ao utilizarem os mesmos produtos que este usa, mas será que estão a ser guiados por princípios justos? 
  Concluindo, os produtores podem ser injustos ao divulgarem uma falsa informação, mas ao mesmo tempo serem felizes se esta publicidade tiver o fim esperado: obter a atenção do público e lucrar. 


Tema 3: Paralelo entre ética e estética? (474 b - 476)

   Porque será que por alguma razão o belo e o bom são identificados com o feio e o mau, respetivamente? 
   Por um lado, "(...) são belos os que são úteis ou agradáveis, ou as duas coisas ao mesmo tempo? (...) recurso às ideias de prazer e de bem", e por outro, "O feio terá então de definir-se pelos contrários: a dor e o mal?"



   Podemos confirmar que esta publicidade é bela, mas será correto afirmar que é necessariamente boa? É possível associar o produto a uma ideia de prazer, mas terá que seguir o princípio que faz bem? 
   Com base nesta publicidade é possível negar o que referi na introdução. Realmente, esta publicidade transmite-nos uma sensação de bem estar e de agradável pelas cores suaves apresentadas, e uma sensação de liberdade pelas figuras dos cavalos; mas essa noção de belo não tem que nos remeter obrigatoriamente para uma definição de bom. 
   O produto apresentado é considerado uma forte ameaça para a saúde do indivíduo, mesmo que este se sinta bem ao observar o conteúdo deste cartaz, sendo correto dizer que o belo não está relacionado com o bom. Por outro lado, pode-se realmente associar o belo ao prazer, porém este prazer é temporário, reservando a longo prazo o mau.

   Curiosidades: 

  1) Com a proibição de publicidades relacionadas com tabaco no Brasil, o número de fumadores reduziu drasticamente em apenas 2 anos. 

  2) Exemplo de uma estratégia de marketing:



   
   





Tema 5: A lei, os mais fortes e os medíocres (490 a)

   Será justo considerar o homem mais sábio o melhor de todos? Será correto que "(...) o melhor e o mais sábio governe os medíocres e tenha mais do que eles?" Este é um dos assuntos que sempre gerou muita polémica e discussão entre os indivíduos!
   Não pretendo fazer um juízo de valor sobre este tema visto que estará sempre condicionado por inúmeros factores que dificultam uma resposta em concreto. Porém, defendo a ideia que não é por alguém ser considerado melhor e mais sábio, que tenha o direito de ter mais que os outros.

   Dessa forma, será correto os criadores das publicidades terem, na sua maioria, as crianças e o jovens como principal alvo? Será justo influenciar inconscientemente esta faixa etária? Neste caso pode-se considerar as crianças e os jovens como os mais fracos ou medíocres visto que são "comandados" por algo "superior" a eles: a publicidade.






   “Nós, do Instituto Alana, não somos contra a publicidade. Contra esse tipo de estratégia que é deliberadamente feita para que a criança aja como um promotor de vendas é que lutamos. Não queremos restringir a liberdade de expressão de ninguém, apenas que o comercial exista para quem pode decidir se quer ou pode comprar determinado produto”, conclui Ekaterine.


(500 a)

   Nesta parte da obra encontrei um excerto que realmente me chamou a atenção: "Assim, deve-se procurar o agradável, como todas as coisas, aliás, por causa do bem e não o bem por causa do agradável." Ou seja, não se deve praticar o bem unicamente por se considerar que isso será agradável, mas deve-se achar o agradável ao praticar o bem!
   Esse devia ser um dos objetivos das estratégias de marketing! Criar formas de divulgar os produtos tendo como meio o bem e como finalidade o agradável, e nunca vice-versa.
   A publicidade, como uma estratégia de marketing, deveria conter a melhor informação possível (e a mais fiável) e transmitir as mensagens baseadas em bons valores que não procurem unicamente o interesse dos indivíduos, mas sim o verdadeiro conteúdo do que é transmitido. Com efeito, a publicidade não deveria ser transmitida baseada no que é unicamente agradável, mas baseada no bem. O agradável deveria ser como um consequência de se transmitir e praticar o bem!



3 comentários:

  1. A discussão sobre a questão da linguagem ultrapassa o mero domínio da retórica. Na verdade, a retórica é uma "arte" que surge efetivamente com um grupo de pensadores que ficaram conhecidos, e graças a Platão de forma muito negativa, como os sofistas.
    Não podemos entretanto esquecer que a linguagem bem usada pode servir,e muito bem! Por exemplo, nos tribunais para dizer a verdade e, com isso, permitir ao injusto ser castigado e ser-lhe permitido expiar o mal. É justamente este uso, tºao defendido por Sócrates que deixa os sofistas estupefactos.

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    1. Obrigada pela sua ajuda! Desta forma, faço-lhe uma pergunta: os sofistas eram criticados por Platão, porém Sócrates defendia-os mesmo tendo uma opinião diferente de como divulgar este meio: a retórica? Sócrates criticava-os por venderem os seus ensinamentos e por se considerarem mestre de todos, mas acreditava que a retórica não deveria ser utilizada unicamente para o mal?

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    2. De facto, os sofistas são apresentados por Sócrates/Platão como mestres da retórica e sempre em sentido pejorativo. Apresentados como interesseiros e relativistas, foram sendo sempre colados à prática da retórica que, assim sendo, aparece como arte do engano e da aparência e, portanto, nada preocupada com a verdade. Como te lembrarás do teu 11º ano foi esta caracterização da retórica que acabou por perdurar até ao século XX.
      Não obstante isso, há, de facto, no Górgias a definição de um uso da prática da oratória no bom sentido e que não serviria para a supremacia do mais forte e para a mera concretização de interesses, mas como forma de procura de verdade e da procura de justiça nos tribunais, sendo esse uso bem distante daquele que os sofistas fariam da arte da palavra.
      Será, aliás, essa distinção que levará muito mais tarde, e na recuperação da própria retórica, à distinção entre persuasão racional e manipulação.

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